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Educação de base e consciência de classe

domingo, 12 de julho de 2020 às 15:15 - por, admin.

Artigo


Por Éverlan Stutz, articulista jornal ESTADOATUAL


O Ministério da Educação virou uma balbúrdia no troca-troca de ministros. O atual presidente anunciou, na última sexta-feira, o quarto ministro em um ano e meio de desgoverno. O MEC é a pasta que mais sofre a influência ideológica de ultraconservadores que tratam o setor com práticas que violam a função emancipatória da educação. O novo ministro é militar da reserva do Exército e pastor da Igreja Presbiteriana de Santos. Trata-se de Milton Ribeiro que defende o castigo físico de crianças. Com uma visão patriarcal e estreita do processo educacional, Ribeiro defende que a figura paterna é que deve dar o direcionamento da família por meio da imposição.

O autoritarismo é a marca desse desgoverno pentecostal que desconsidera que a educação é estabelecida por constantes diálogos entre professores, alunos, familiares e coordenadores pedagógicos.  A falta de dialogismo é sustentada por uma lógica tecnicista, dogmática e incompatível com a realidade vivenciada nas escolas públicas brasileiras. Querem institucionalizar uma educação robótica, a tão falada ‘escola sem partido’ enquanto milhares de igrejas evangélicas partidarizam os cultos e elegem seus pastores que têm como seguidores evangélicos com fé exacerbada e com o mínimo de discernimento político.     

Conheço o contexto precarizado da educação pública desde criança.  Minha formação é fruto desse ambiente e, há 25 anos, leciono em salas superlotadas, sem ventilação nem infraestrutura. A educação de base nunca foi uma prioridade de Estado, mas o atual desgoverno ignora princípios científicos que apontam uma árdua jornada a ser seguida para consolidação de uma proposta educadora dialógica, contextualizada, dinâmica e que combata a evasão escolar, um dos principais desafios para o sistema educacional brasileiro.

Se alguém quiser conhecer um recorte da realidade social do país, visite uma escola pública da periferia. Lá existe o panorama da precariedade. Falta material didático, faltam cadeiras e até merenda. Falta muito e sobra boa vontade dos profissionais da educação que travam uma luta cotidiana na criação de possibilidades para construção do conhecimento com poucos recursos. O professor é um profissional desvalorizado pela sociedade e pelos poderes constituídos. Ele também é um oprimido que tenta libertar mentes e corações. Essa dicotomia revela que a saúde mental dos docentes está comprometida. O problema é agravado pelo excesso de trabalho e pela falta de respeito em sala de aula.

Uma pesquisa divulgada pela Globonews mostrou que o número de professores afastados por transtornos mentais quase dobrou entre 2015 e 2016. Outra pesquisa realizada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico revela que o Brasil é o país que tem o maior índice de violência contra professores do ensino fundamental. A pesquisa Trabalho Docente na Educação Básica do Brasil evidencia que depressão e ansiedade são algumas das principais causas que levam ao afastamento dos professores. A Confederação Nacional dos Professores da Educação afirma que a categoria sofre muito estresse devido à quantidade de alunos em sala de aula, baixa remuneração e pelas más condições de trabalho.

Os desafios do novo ministro não estão restritos ao entendimento dessa realidade. O maior problema será ampliar a visão quase cega dele que defende práticas patriarcais e o castigo físico de crianças. Infelizmente, não tem como torcer a favor.  As ideias ultrapassadas de Milton Ribeiro contrariam os princípios da pedagogia libertadora. Quanto aos educadores, é necessário repensar nossa função social nessa pandemia, buscar equidade nas relações de trabalho e a cooperação mútua como mecanismo de mobilização política e social. Para Bolsonaro, Paulo Freire é um ‘energúmeno’. Freire é considerado o patrono da educação brasileira, autor do clássico “Pedagogia do Oprimido”, o único livro brasileiro a aparecer na lista dos 100 títulos mais solicitados pelas universidades de língua inglesa. 

Na última eleição, o Brasil optou por eleger um militar despótico ao invés de um professor. E milhões de educadores votaram em Bolsonaro. Paulo Freire é tratado como inimigo daqueles que não suportam o pensamento crítico em sala de aula. Portanto, torna-se essencial divulgar e estudar sua obra indispensável para defesa da educação pública de qualidade: “Significando a união dos oprimidos, a relação solidária entre eles não importa os níveis reais em que se encontrem como oprimidos, implica também, indiscutivelmente, consciência de classe”. Pelo visto, milhões de professores são desprovidos dessa consciência, ressaltada por Freire. E isso é lamentável.   

Éverlan Stutz é articulista do Jornal Estadoatual, professor, jornalista, poeta, ator e compositor