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Colaborador Estado Atual

terça-feira, 05 de setembro de 2017 às 20:50 - por, Erica Castro.

Érica Castro


Érica Araújo / Articulista


Os ipês amarelos de Congonhas

 

Ah, os ipês amarelos de Congonhas…

Quando eu era menina ganhei de minha mãe uma sombrinha amarela que refletia a luz como apenas um tecido sintético pode fazer. Refletia ao ponto de doer minhas vistas jovens e já, desde cedo, fotofóbicas. O uso da tal sombrinha, seja na chuva mormacenta, seja no sol escaldante de Belo Horizonte, se tornou um tormento.

Sentia-me superaquecida e ferida sob aquela que deveria, a princípio, me proteger.

Minha irmã ganhou uma sombrinha vermelha, que devido à cor, refletia o sol de uma forma menos dolorosa aos meus olhos. Certo dia, quis trocar e no alto da rabugice de criança chateada solicitei dando o motivo de que não gostava de amarelo. Que o amarelo me feria os olhos, o que imediatamente gerou risos, como se brincadeira infantil fosse: como assim uma cor tem o poder de fazer doer?

Dispensável dizer que a troca não foi feita. Se existe um universo em que irmãos mais novos e irmãos mais velhos se entendem e se solidarizam mutuamente por volta dos seis anos de idade, ainda o desconheço. A aventada troca seria o equivalente a Kim Jong-Un lançando seus mísseis por sobre o céu do Japão – uma ameaça de guerra pairando sobre a casa.

Assim, cada uma de nós ficou com sua sombrinha e a cada vez que usava a minha tomava mais e mais birra da cor. Essa cor feia. Essa cor maldosa, que me magoava os olhos e dava dores de cabeça.

Fui crescendo com verdadeira ojeriza da coloração. No meu armário não se acha nada amarelo. Amarelo mau, mau, mau.

Mas então, ainda pequena, me recordo de um diálogo. Ao passar por um ipê amarelo completamente vestido de primavera não deixei de me extasiar e nos arroubos infantis, elegi a árvore como minha favorita.

Ouvi então, como ouvi tantas vezes depois: mas você detesta amarelo!

Sim, detesto – mas como não se render ao amarelo de um ipê que, de seus galhos escuros, faz brotar tanta beleza? Como não imaginar uma fadinha morando em cada flor derramando sobre nossos olhos seu pozinho mágico de encantamento e doçura? Como não se sentir bem-vinda no mundo tendo tal tapete amarelinho por onde passar? A estradinha amarela leva-nos aonde queremos chegar, já contaram à Dorothy.

Depois que comecei a trabalhar em nossa vizinha Congonhas, todo setembro me traz as recordações da sombrinha que me fez tomar birra da cor – mas também me bate um arrependimento doído de chamar de feia cor tão linda que embeleza a cidade como um convite à contemplação.

O meu favorito na cidade fica perto do cemitério. Já estacionei o carro para apenas ficar ali olhando e pensando como a natureza é capaz de fornecer espetáculos tão grandiloquentes, esfuziantes, retumbantes no silêncio estático de uma única árvore que faz uma pessoa em pé de guerra com o amarelo se reconciliar completamente com a cor.

Mesmo que por uma estação.

Ah, os ipês amarelos de Congonhas…