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Érica Araújo / Articulista

quarta-feira, 09 de agosto de 2017 às 10:42 - por, Erica Castro.

A crise é da carne ou do povo?


Jornal ESTADOATUAL


Nos últimos dias fomos inundados de notícias referentes à qualidade de nossa carne, a qual estaria com infinitos problemas, ao gosto do consumidor: contaminada com salmonela e produtos cancerígenos, com excesso de produtos químicos, embutidos feitos com carnes menos nobres etc.

O escândalo envolve os grandes abatedouros, frigoríficos e produtores de carne e embutidos brasileiros, que estão entre os maiores do mundo. Apenas JBS e BRF, dois dos citados, são responsáveis por marcas como Perdigão, Seara, Sadia – vendidas em grande escala, que todos nós estamos habituados a ver pelas prateleiras dos supermercados e a comprar.

Subitamente, vemo-nos, a contragosto, pensando em uma dieta que tenha por base os vegetais.

Apenas para lembrar que também passamos por uma crise envolvendo agrotóxicos. Nossos legisladores analisam propostas relativas ao uso dos mesmos que mascarariam sua presença frente ao olhos dos consumidores e causariam um relaxamento nas regras existentes. Isso, lembrando que as regras atuais já não impedem que os vegetais cheguem contaminados em nossa mesa, sendo os campeões o tomate, o pimentão e os morangos.

Há quem culpe o capitalismo. O que mais vi nas redes sociais foram pessoas comentado que isso era reflexo do meio de produção capitalista que sempre visa o lucro acima de todas as coisas.

Acho bonitinho essa carga de idealismo – mesmo que reflita a ignorância do fato de que a corrupção, exatamente o que levou ao afrouxamento da fiscalização que propiciou os vícios na produção de carnes e enlatados, grassa em qualquer tipo de governo, em qualquer país. Basta lembrar dos burocratas e seus luxos presentes desde a União Soviética (URSS), passando por Cuba até a Coreia do Norte.

Lembremo-nos da URSS e da sua rejeição à genética, às exatas e as ciências humanas, incluindo a história, que consideravam demonstrações do pensamento burguês e a sua manipulação de dados relativos à cibernética e astronomia. Lembremo-nos ainda que a população, muitas vezes, era submetida a frio incomum sem aquecimento apropriado e escassez de alimentos para que o dinheiro fosse usado no desenvolvimento bélico do país e na corrida espacial. Corrupção? Não sejamos ingênuos – não há relatos precisos sobre a mesma lá assim como não os há sobre a ditadura brasileira. Tais assuntos apenas chegam ao conhecimento da população através da imprensa, que em Estados comunistas era controlada pelo governo.

Porém, não são poucos os relatos de burocratas viajando pelo mundo com passaportes falsos para visitarem anonimamente com suas famílias locais que a população comum sequer sabia que existia.

Assim, o problema não é o capitalismo – ou o socialismo, lindo no papel, mas que fora das tribos indígenas se mostrou inaplicável, um sonho vermelho.

O problema é a humanidade e sua falta de ética, de senso de bem comum, de vergonha na cara – aquele pudor que sente quem é honesto se comete a menor infração.

Enquanto brasileira, sinto-me envergonhada pelo tal jeitinho brasileiro, que não raras vezes envolve corrupção e o prejuízo da outra pessoa, que não aquela que usou o tal jeitinho como recurso.

Sinto-me envergonhada de hoje, fazer parte de uma sociedade que vive em tais níveis de corrupção que ao ver uma reportagem sobre o problema da carne no Fantástico, veiculado pela maior emissora do país, a Rede Globo, fiquei pensando: São apenas 30 empresas investigadas. Mas qual a garantia que as demais são diferentes? Vi o Temer falando das maravilhas da carne nacional e me veio a questão: essa fala não estaria totalmente baseada no medo do prejuízo econômico ao setor devido à possível queda de consumo? Para aplacar os ânimos? Vi o especialista em alimentos sendo entrevistado e pensei: Não seria esse um especialista sob medida, falando exatamente o que é necessário para acalmar a população? Não existiriam outros que falariam exatamente o contrário?

Estamos em uma situação moral tão grave afetando tão profundamente nossa sociedade, com uma inversão tão absurda de valores que se não passarmos por uma profunda mudança de paradigmas éticos estamos fadados a sermos eternamente o “paísinho” de mequetrefes que fraudam de carteira de estudante a alimentos.

E quanto aos que não se enxergam entre esses, analise seu comportamento. Você para em vaga de deficiente? Desocupa a cadeira preferencial assim que vê alguém de direito se aproximar? Devolve o troco a mais que recebeu? Respeita as leis de estacionamento? Respeita filas, seja no supermercado, seja no trânsito? Paga seu imposto de renda real? – enfim, será que você é mesmo um cidadão tão exemplar quanto se quer crer ou como tantos apenas engana a si mesmo envolvendo-se em uma aura falsa de honestidade enquanto critica a corrupção dos políticos?

Se após a análise corajosa você enxergou problemas, deixe de lado a hipocrisia e passe a transformar a sociedade começando por você e pelos que lhe cercam.

Agora, se você realmente faz parte daquela parcela da população que pensa no bem comum, que age com educação e honestidade nas relações sociais, não se acomode. Seja parte da mudança e não do silêncio dos bons, tão criticado por Martin Luther King. Reclame, eduque, fale – seja mais do que um mero exemplo passivo.

Se não fizermos isso, ontem foi o leite, hoje a carne – amanhã, sabe Deus.

Mas com essa transformação enquanto sociedade, quem sabe, em alguns anos, deixemos de patinar nesse lodo moral que agora respiramos e comemos eliminando esse câncer chamado corrupção de todas as nossas relações sociais. Aí, sim, teremos uma política mais saudável, que refletirá a nossa dignidade futura, porque, no momento, não há como não concordar com o filósofo francês Joseph-Marie Maistre que disse “cada povo tem o governo que merece”.

E a carne também.

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