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Érica / Articulista

quinta-feira, 03 de agosto de 2017 às 19:41 - por, Erica Castro.

Nunca vou entender mulheres que batem em mulheres por causa de homens


Jornal ESTADOATUAL


Recentemente deparei-me com mais de uma notícia sobre mulheres que agrediram outras mulheres em sessões consideradas de tortura pelas autoridades policiais em virtude de ciúmes de companheiros e ex-companheiros. Lendo seus relatos ou assistindo a trechos de vídeos que retratam a que submeteram suas vítimas – quase nunca consigo assistir a esse tipo de coisa – existe em comum o dito “ciúme”, a existência de um suposto relacionamento ameaçado, seja esse relacionamento passado ou presente, real ou imaginário.

Primeiro caso que vi envolvia mulheres maiores de idade, no Rio de Janeiro. Elas sequestraram e agrediram durante horas uma vizinha da comunidade, casada, mas que estaria supostamente flertando com o marido de uma delas.

Cortaram-lhe os cabelos, símbolo maior de feminilidade para algumas, que muitas cultivam com gosto – caso da vítima. As agressões apenas cessaram com a ajuda da polícia, acionada por testemunhas.

No segundo caso, o grupo agressor era de menores de idade que atraíram outra menor, essa de 13 anos, com o objetivo de matá-la porque a mesma estaria contando com a ajuda de um ex-namorado de uma delas para organizar sua festa de 15 anos. A jovem vítima também teria “ficado” com o rapaz.

As agressoras em verdadeiros atos de barbárie agrediram a menina com um machado e a pauladas. Colocaram absorventes sujos em sua boca além de terem cavado um buraco e jogado a mesma ali dentro depois de longas horas de tortura, dizendo que seria ali a sua cova. Foi nesse momento que a mesma conseguiu fugir, ao ser momentaneamente deixada sozinha por suas torturadoras.

Primeiramente, apesar das semelhanças entre os dois casos, é impressionante notar como os objetivos eram bem diferentes. No do Rio de Janeiro, o objetivo claro era a humilhação com o corte das longas madeixas lembrando punições medievais perpetradas contra mulheres de comportamento socialmente reprovável. Houve a punição física severa, sim. Mas não com o objetivo primário de matar a vítima e sim “ensinar-lhe uma lição”.

Já no segundo, em que apenas menores estavam envolvidas, havia clareza no alvo – matar a menina, segundo declarado pelas agressoras.

E o que constato absolutamente surpresa: mesmo mulheres culpam outras mulheres por erros reais ou imaginários cometidos por homens. Porque, vejam vocês – no primeiro caso, não há notícias de envolvimento da vítima com o marido da agressora e no segundo o homem em questão não mais mantinha relacionamento com a idealizadora do crime.

Porém mesmo que houvesse, mesmo que os tais homens mantivessem relacionamento com as mentoras dos crimes e as tivessem traído, qual satisfação outras mulheres lhes devem? Por exemplo, em uma situação hipotética, qual satisfação alguma amante de meu marido deveria a mim pelo que ele, um homem adulto, fez? O meu relacionamento não é com ele? – então ele é a única pessoa que me deve explicações, ora!

É estarrecedor observar que ainda persiste no imaginário popular, inclusive de mulheres, que o homem, pobre coitado, não tem culpa de seus instintos sexuais e nem de colocá-los em prática vilipendiando uma relação estabelecida e quebrando sua própria palavra no acordo social de lealdade.

Quão absurdo é isso em pleno século XXI?

E mais. Quão absurdo é mulheres agredirem outras mulheres em verdadeiras sessões de tortura em nome de um suposto amor?

Quando aprenderemos a enxergar responsabilidades reais em relacionamentos – de namorado para namorado, de parceiro para parceiro, de cônjuge para cônjuge – em vez de enxergar pessoas externas como possuindo a habilidade malévola de levar sua contraparte a fazer algo que ela realmente não quis fazer?

Quando?

E mais. Graças a algum progresso social, todas as agressoras serão agora enquadradas em crimes gravíssimos, que variam de sequestro a tortura.

Algumas delas possuem filhos que ficarão sem suas mães por período ainda não determinado pela justiça, porque no caso das maiores, elas certamente encararão penas em presídios. Nas entrevistas, demonstraram não saber a gravidade do que haviam feito, como se o fato de serem mulheres agredindo outras mulheres tornasse o crime menos grave.

Já o caso das menores me deixa ainda mais perplexa com a inversão de valores e a capacidade para cometimento de crime tão grave quanto homicídio. E me faz pensar ainda mais com relação à necessidade do abaixamento da maioridade penal ou outro mecanismo legal, a exemplo de países onde crimes bárbaros cometidos por menores fazem com que seus perpetradores sejam julgados como adultos.

É claro que é preciso mais do que isso. É óbvio que é preciso, primeiramente, educar a sociedade brasileira dignamente fornecendo educação pública e de qualidade desde a mais tenra idade. É claro que precisamos de melhor distribuição de renda. Com essas duas conquistas  sócio-econômicas, os índices de criminalidade tendem a baixar.

Entretanto, não é possível esperar que esses dois fatores gigantescos sejam alcançados para punir menores de idade que cometam crimes hediondos como os citados aqui. Dizer que sem eles menores estão condenados inexoravelmente ao crime é desfazer dos tantos outros periféricos por aí, em muito maior quantidade, que frequentam escolas ruins mas se desdobram cuidando de irmãos menores ou ajudando nas finanças da família. Não é possível justificar crimes hediondos cheios de maldade e ódio tendo por base puramente as questões sociais.

Nota: Cabe dizer que não espero que as menores em questão, nem mesmo as adultas em questão, sofram os mesmos crimes que cometeram. Espero que sejam condenadas e aprisionadas. E que lá lhes sejam fornecidas condições de reabilitação com estudo e trabalho. No sistema prisional brasileiro isso é bem difícil de acontecer – mas, novamente, não é possível esperar a melhora desse para punir crimes hediondos. É preciso, urgentemente, acabar com a impunidade.