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Oito animais resgatados

quarta-feira, 14 de julho de 2021 às 17:01 - por, redacao.

Maus-tratos


Três pessoas conduzidas numa operação da PM e PC


Agentes da Polícia Militar de Meio Ambiente, Polícia Civil, Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) e a Associação Lafaietense de Proteção aos Animais (ALPA), realizaram entre os dias 2 e 10 de julho em Conselheiro Lafaiete uma operação policial denominada “Sansão em ação”. Conforme as autoridades, a ação teve como objetivo, verificar denúncias de maus-tratos a animais realizadas através do disque denúncia 181. No total foram apuradas 25 denúncias de maus-tratos, com recolhimento de oito animais e três proprietários envolvidos.

Equipe envolvida na fiscalização

Lei Sansão

Fonte: Divulgação Internet / Conforme divulgação do advogado

– Joaquim Júnior Leitão

O Projeto de Lei nº 1.095/2019 que se transformou na Lei Federal nº 14.064/2020 (Lei Sansão) recentemente sancionada e publicada no Diário Oficial da União trouxe uma novidade que impactou positivamente o art. 32, da Lei nº 9.605/1998 (Lei do Meio Ambiente) – ainda que remanesça margens para as críticas de alguns pontos.

Deste modo, o art. 32, da Lei nº 9.605/1998 (Lei do Meio Ambiente) passou a vigorar da seguinte forma:

Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:

Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.

§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.

§ 1º-A Quando se tratar de cão ou gato, a pena para as condutas descritas no caput deste artigo será de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, multa e proibição da guarda. (Incluído pela Lei nº 14.064, de 2020)

§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.

A nova Lei Federal nº 14.064/2020, denominada de “Lei Sansão”, surge em virtude de um pitbull que teve as patas traseiras decepadas no município de Confins-MG que causou comoção em todo o Brasil.

Tecidas estas singelas introduções, por questão de ordem e melhor didática, vamos primeiramente enfrentar os verbos nucleares do injusto penal que são praticar, ferir ou mutilar. Praticar corresponde (a levar a efeito; realizar; executar; cometer; exercer; fazer atos de ataque ou violência, com abuso ou de maus tratos em face de animal). Ato de abuso é ação injusta; mau uso ou uso errado; submeter ao animal a trabalhos excessivos. Maus-tratos é causar prejuízo de qualquer natureza ao animal; transportar o animal de maneira inadequada. Ferir significa (causar ferimento; lesionar a integridade física; causar sofrimento a; magoar, causar machucado; machucar). Mutilar significa (cortar alguma parte do corpo; privar algum membro do corpo).

Facilmente, podemos perceber que estamos diante de um tipo misto alternativo; plurinuclear ou crime de ação múltipla ou ação/tipo/crime/delito de conteúdo variado, sendo que a ocorrência de mais de uma dessas condutas no mesmo contexto fático não ensejará novo crime, caracterizando tão somente crime único – embora essas ações podem servir para dosimetria do art. 6º, da Lei do Meio Ambiente e art. 59, do CPB.

Após o enfrentamento dos verbos e destas nuances, é preciso também conceituar os animais descritos na cabeça do artigo para melhor compreensão da celeuma, senão vejamos um a um:

Animais silvestres ou selvagens consistem naqueles animais pertencentes às espécies nativas ou naturais, migratórias e quaisquer outras, aquáticas ou terrestres, que tenham todo ou parte de seu ciclo de vida dentro dos limites do território brasileiro ou águas jurisdicionais brasileiras. Este conceito é extraído do § 3º, do art. 29, da Lei 9.605/1998. Podemos citar como exemplos de animais silvestres ou selvagens: a onça, tamanduá, papagaio, morcego, jibóia, jabuti, jacaré-do-papo-amarelo.

Animais domésticos ou domesticados são aqueles animais que vivem ou são criados em casa, e que sofreram um processo contínuo e sistemático de domesticação. Como exemplos, podemos citar os cães, gatos, cavalos, galinha, pato entre outros.

Animais nativos são aqueles animais oriundos de uma localidade determinada (nacional), em que esses animais podem ser silvestres (selvagens) ou domésticos.

Animais exóticos são aqueles animais que são pertencentes a países estrangeiros (fauna estrangeira), ou seja, são aqueles em que o ciclo de vida natural ocorre em território distinto daquele que é empregado como referência e até mesmo do local em que o animal se encontra no momento de referência. Devemos sublinhar também que, as espécies ou subespécies inclusive domésticas eventualmente introduzidas pelo homem em estado selvagem, também são consideradas exóticas. Exemplo de animal exótico ao Brasil é o leão, porque é originário do continente africano. 

Neste aspecto das modalidades dos animais, registramos à anotação valiosa da crítica de parcela da doutrina que sustenta não existir 05 (cinco) modalidades de animais, pois um animal dentro de determinada modalidade poderá variar, pois a adjetivação “silvestre” dá a possibilidade de ser qualquer das possibilidades (doméstico, domesticados, nativos ou exóticos) [1].

Em avanço, o objeto jurídico do tipo protege-se a integridade física dos animais. Para Guilherme de Souza Nucci se tutela o meio ambiente com incentivo à honestidade pública[2].

Tem-se de outro lado como objeto material, o animal silvestre (selvagem), embora este pode ser doméstico, domesticado, nativo ou exótico.

Dando prosseguimento, em nossa perspectiva, o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, pois estamos diante de crime comum. Já o sujeito passivo é o Estado; A Sociedade; A Coletividade (principal/primário). Tem doutrina que acrescenta como sujeito passivo ainda, o proprietário do animal, caso a conduta tenha sido realizada por terceiro.

Por sua vez, o elemento subjetivo é o dolo com a vontade livre e consciente de dirigir a conduta para o fim do tipo penal. Não se exige elemento subjetivo específico, em que a consumação se dá com a efetiva prática dos verbos. No caso de abuso e maus-tratos não é exigido o resultado, enquanto nas modalidades de ferir e mutilar é necessário o resultado para consumação, admitindo-se a tentativa.

A Lei Sansão acaba por impedir reflexamente o cabimento da suspensão condicional do processo e do acordo de Não Persecução Penal

Outro reflexo nítido de implicação de ordem prática da Lei Sansão é suspensão condicional do processo, porquanto não é possível a suspensão condicional do processo nesta hipótese, já que a pena mínima do novel § 1º-A, do art.  32, da Lei nº 9.605/1998 ultrapassa 01 (um) ano.

O mesmo efeito impeditivo se dá relativamente ao Acordo de Não Persecução Penal, porquanto sua pena máxima desborda a previsão legal, fazendo com que não tenha cabimento.

No que toca à ação penal do novel § 1º-A, do art.  32, da Lei nº 9.605/1998,  calha pontuar que a ação penal é pública incondicionada.

Reflexo da Lei Sansão quanto ao procedimento policial a ser lavrado em sede da Delegacia de Polícia e impeditivo de arbitramento de fiança na esfera policial

O procedimento policial em caso de flagrante será o auto de prisão em flagrante delito (APFD), ou não sendo prisão flagrancial, teremos a Portaria, para em ambos os casos gerarem à instauração do Inquérito Policial.

De mais a mais, em razão do quantum da pena, considerando que a pena máxima privativa de liberdade ultrapassa 4 anos, é defeso ao Delegado de Polícia o arbitramento de fiança, à luz do art. 322 do CPP.

Ademais, se a conduta de mutilar, maltratar, abusar, ferir ou matar recair sobre animais que não cães e gatos, cujo preceito secundário atrai à aplicação da Lei n. 9.099/95, teremos a lavratura do Termo Circunstanciado de Ocorrência (art. 69 da referida lei do Juizado Especial Criminal), com a imediata soltura do infrator em caso de firmar compromisso.

Retomando à análise da nova lei denominada de “Lei Sansão” não vamos adentrar ao fato de ser a lei mais um fruto do populismo penal ou da inflação legislativa penal, porém, de qualquer forma, a lei acaba por recrudescer o tratamento penal a quem praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais que sejam cães ou gatos.

Temos nitidamente diante do § 1º-A, do art.  32, da Lei nº 9.605/1998, uma nova qualificadora (crime qualificado) e por ser lei penal que vem agravar ainda mais, não pode retroagir para abarcar fatos pretéritos.

O legislador ordinário não quis abranger animais silvestres, nativos ou exótico, onde pode ter perdido uma grande oportunidade de ampliar a tutela penal, pois em que pese o cão e gato serem animais mais comuns culturalmente falando em nossa sociedade, isso não quer dizer que outros animais não pudessem receber a mesma tutela penal para tanto. Afinal, uma pessoa pode ter um coelho, um suíno ou outro animal que nutra a mesma intensidade sentimental daquele que cria cão e gato. Qual a diferença disto? Apenas o animal de criação.

No Brasil, por exemplo, a carne suína está inclusa no consumo alimentar de maneira mais popularizada e há notícias de parcela da população de forma menos habitual também consumir carne de coelho.

De outro vértice, há culturas por exemplo como a China, que o cão é um prato habitual a ser consumido pela população.

Com isto, diante desta análise empírica, talvez a única explicação plausível e racional, seja o legislador ter optado politicamente sob a ótica criminal pela expressão cão e gato para evitar polêmicas e facilitar à aprovação da lei, pois outros Projetos similares se arrastavam por anos no Congresso Nacional sem o mesmo êxito.

Isso é confirmado também, quando se analisa a ementa inicial do Projeto de Lei nº 1.095/2019 e depois da tramitação do Projeto de Lei teve uma redução, cuja ementa originária previa animais silvestres, nativos ou exótico, além do cão e gato.

A propósito, vejamos a ementa originária:

EmentaAltera a Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998 para estabelecer pena de reclusão a quem praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos; e instituir penas para estabelecimentos comerciais ou rurais que concorrerem para a prática do crime.

Agora comparemos a ementa depois dos avanços do Projeto de Lei 1.095/2019 que se transformou na Lei Federal nº 14.064/2020, denominada de “Lei Sansão”:

NOVA EMENTA: Altera a Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, para aumentar as penas cominadas ao crime de maus-tratos aos animais quando se tratar de cão ou gato.

Comparemos no quadro abaixo:

Ementa originária Nova ementa
Altera a Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998 para estabelecer pena de reclusão a quem praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos; e instituir penas para estabelecimentos comerciais ou rurais que concorrerem para a prática do crime Altera a Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, para aumentar as penas cominadas ao crime de maus-tratos aos animais quando se tratar de cão ou gato.

A interpretação histórica do processo legislativo que motivou o legislador com a mens legis e a mens legislatoris, assim como o contexto político de produção de lei não devem ser desprezados pelo intérprete.

Resultado morte de cão e gato, em decorrência de ato de abuso, maus-tratos, ferimento ou mutilação

Entendemos que havendo o resultado morte de cão e gato, advindas da prática do art. 32, da Lei do Meio Ambiente, ainda se terá a pena aumentada de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço).

Lembremos que, o novel § 1º-A, do art.  32, da Lei nº 9.605/1998 é um tipo penal qualificado (crime qualificado), em que a pena inicialmente prevista é de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, multa e proibição da guarda.

Assim, a pena para as condutas descritas no caput deste artigo, quais sejam, de praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar o cão e gato e que venha a ter o resultado morte, o agente criminoso além de responder pela conduta qualificada (novel § 1º-A, do art.  32, da Lei nº 9.605/1998), estará sujeito a causa de aumento de pena de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço) (§ 3º, do art. 32, da mesma lei) – que convivem perfeitamente entre si.

De outra banda, caso desde o início o agente tenha vontade livre e consciente de abater animal silvestre, nativo ou em rota migratória com o resultado morte almejado, o crime será do art. 29, da Lei nº 9.605/1998 – em que a pena é menor do que a pena prevista do art. 32, §1º-A, da mesma lei.

DAS CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por todo o exposto, apesar de possíveis espaços para as críticas quanto a Lei Federal nº 14.064/2020, denominada de “Lei Sansão”, ser mais um fruto de populismo penal ou inflação penal legislativa e a não abrangência de tutela penal a outros animais, fato é que a lei não deixa de ser um avanço civilizatório que tenderá inibir práticas humanas absurdas e cruéis dirigidas em face de cão e gato.

Portanto, estas são as primeiras impressões extraídas sobre a nova lei.