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Éverlan Stutz - Articulista do Jornal Estadoatual

domingo, 21 de junho de 2020 às 11:50 - por, redacao.

Artigo


Fé e política em tempos de pandemia


O exercício da fé é inexplicável. Enquanto a ciência busca inumeráveis métodos para descobrir um antídoto para conter a pandemia, milhões de pessoas se alimentam da fé para aliviar a dor coletiva. Não há metodologias para a fé, ela não é sustentada em evidências, racionalidade ou pragmatismo científico. A fé é uma adesão incondicional a uma crença independente de religiões ou doutrinas. A fé é necessária e distinta da religião, que estabelece regras para serem seguidas e dogmas que devem ser respeitados. Política e religião sempre tiveram uma relação escusa e, na maioria das vezes, desastrosa. No Brasil esse vínculo causou males tenebrosos ao Estado Democrático de Direito com a eleição de um presidente que utiliza a fé cega de seus seguidores para banalizar as mortes causadas pela Covid-19.

A fé é o alicerce da espiritualidade, da gratidão à vida. A fé é a ciência da paz. O contrário disso é armadilha de satanás. Nas últimas eleições, uma grande parcela da população brasileira caiu numa cilada articulada por pastores mercenários e por uma bancada evangélica que nunca seguiu o legado do cristianismo. Quem elegeu esse desgoverno e ainda insiste em defendê-lo não pratica nem entendeu a máxima bíblica: “Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei”. Esse desgoverno carrega a marca do ódio, da intolerância, do autoritarismo e vai contra os princípios dos verdadeiros cristãos.

Em 2016 conversei com um amigo que detém um razoável entendimento da realidade política do país e cheguei à conclusão de que o chefe do gabinete do ódio seria eleito presidente da república.  Ele ficou incrédulo com essa possibilidade. Disse que o brasileiro é “sensato” e que não elegeria um “despótico despreparado” para comandar o país. Grave engano! Jair Bolsonaro foi eleito pela fé ingênua ou perversa de milhões de pessoas que acreditaram que o “mito” seria o novo Messias, o enviado de Deus para salvar a nação. Acreditar em “salvadores da pátria” é revelar uma mediocridade que desconsidera nosso sistema político imundo e repleto de representantes que defendem interesses particulares em detrimento da coisa pública. A bancada evangélica, eleita por pastores que são cabos eleitores de deputados, senadores, prefeitos e vereadores, é o grupo político que mais vota projetos contra os direitos dos trabalhadores.

Quando um líder religioso utiliza a fé do povo para chegar ao poder, podemos ter a ciência de que há algo de podre nessa conexão pérfida entre política e religião. Após cinco séculos de predomínio do catolicismo, o Brasil se prepara para a chegada da era evangélica. Uma pesquisa do IBGE prevê que a partir de 2022, os seguidores do Vaticano devem representar menos de 50% e, dez anos depois, seriam 38,6% da população. Os evangélicos devem superar os católicos em 2032. Esse avanço no número de evangélicos deve-se ao fato de que há maior interação entre igrejas evangélicas e a política partidária. Isso explica a eleição do atual presidente e a arrogância de seus seguidores para defender os absurdos dele que contrariam fundamentos científicos para conter o avanço da pandemia.

É bom frisar que nem todo evangélico concorda com as atrocidades deste desgoverno. Existem igrejas e pastores que acolhem minorias, promovem a solidariedade e combatem o individualismo predominante no discurso de ódio proferido pelo atual presidente. Em tempos de pandemia, a fragilidade humana ficou mais exposta. Nesse momento não devemos criar mais extremos. É necessário estimular mais pesquisas sobre o avanço dos evangélicos na política e ampliar o debate acerca desse fenômeno nas escolas. É preciso ter fé e acreditar que esses tempos sombrios passarão para que possamos eleger políticos de boa-fé e que as palavras deles tenham fé pública, pautadas na esperança por um país mais justo e solidário.

Éverlan Stutz  – Articulista do Jornal Estadoatual; Jornalista (JP); Professor Universitário; Poeta; Ator e Compositor Musical.